Quando a artista e professora de artes de escola pública Flaviane Malaquias diz que o racismo no Brasil ainda persiste, não fala da boca pra fora, nem como mera espectadora. Para quem já foi barrada no saguão de um hotel em São Paulo e vê de muito perto o dia a dia de estudantes negros de Uberlândia, experiência é o que não falta para abordar o tema no mês em que é comemorado os 131 anos de abolição da escravatura. Na exposição “Memórias de um tempo livre”, ela traz sete pinturas com foco em representações afro-brasileiras, que podem ser visitadas até dia 14 de junho, na ITV Cultural.
Os trabalhos, feitos com recortes de adesivos vinílicos sobre folhas de PVC, trazem as silhuetas de fotografias que ela mesmo tirou em Uberlândia, quando foi à Festa da Congada, durante rodas de capoeira e nos terreiros das escolas de samba. Ainda há registros de viagens, como por exemplo, quando a professora foi ao Rio de Janeiro (RJ) e conheceu o Grupo de Empoderamento Crespo ou fotografou vendedores de café no Pelourinho, bairro de Salvador (BA). A exposição tem a curadoria da própria artista e coordenação da professora Ana Helena da Silva Delfino Duarte, a Aninha Duarte, fundadora Núcleo de Pesquisa em Pintura e Ensino (Nuppe), vinculado ao Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), do qual Flaviane Malaquias faz parte.
Além da ascendência negra, Flaviane se interessa pelo tema étnico racial na vida profissional, desde que cursou uma pós-graduação em educação para as relações étnico raciais pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab-UFU). A partir de 2015, ela levanta a bandeira contra o racismo em suas representações artísticas e como professora. “Eu já passei algumas situações na vida, como uma vez que fui barrada ao entrar em um hotel em São Paulo. Vejo muito, também, que meus alunos das áreas mais centrais de Uberlândia têm dificuldade de aceitar a própria cor, como se isso fosse algo ruim. São tantas situações negativas, que eles não querem ser considerados negros. Já os alunos de periferia não se importam com isso, porque faz parte do cotidiano deles. Ou são negros ou convivem a vida toda com a diversidade”, afirmou a professora.
Mas na periferia, Flaviane Malaquias trabalha, em sala de aula, com outros tipos de diferenças e dá a oportunidade para que jovens se abram, por meio da arte, sobre uma série de outros problemas enfrentados, como deficiência física, deficiência mental, gravidez na adolescência, uso de drogas, prostituição, abuso sexual, entre outros. Por isso, é muito comum, os alunos desenharem figuras chorando, temas de terror ou palhaços, muito conhecidos no mundo do crime e com diversos significados. “Já vi de tudo em 10 anos de profissão. Já tive alunos que se suicidaram. Já tive aluna prostituta, outro que foi assassinado por envolvimento com droga. Existe uma desestrutura familiar muito grande em lugares mais pobres, mas o engraçado é que lá não tem preconceito racial”, disse a artista plástica.
Flaviane Malaquias tem 35 anos, é natural de Uberaba e mora em Uberlândia desde 2002. Se formou pela UFU com habilitação em licenciatura e bacharelado em Artes Visuais pela UFU, em 2007 e 2008, respectivamente. Durante a graduação, trancou a faculdade por um ano, quando morou em Melbourne, na Austrália, onde estagiou no museu The Duldig Studio, fotografando as peças do arquivo para digitalizar e fazendo a documentação e registo de acervo museológico. Em 2018, concluiu o mestrado em arte e educação pela UFU. Hoje se divide entre as exposições de arte, as pesquisas do Nuppe, e as aulas no município e estado, onde ela é concursada há 5 anos.
SERVIÇO:
O QUE: Exposição “Memórias de tempo um livre”
QUEM: Flaviane Malaquias
ONDE: ITV Cultural (Av. Getúlio Vargas 869, Centro)
QUANDO: Até o dia 14 de junho, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
ENTRADA FRANCA
INFORMAÇÕES: 3230-7600